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Doutora em educação, clevelandense é bolsista em destaque pela CAPES

Tese de Thaís de Jesus Ferreira pesquisou o Quilombo Batuva de Guaraqueçaba, no Paraná, e o Quilombo Buri no município de Pedrão, na Bahia

Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Dança também na UFBA, Thais de Jesus Ferreira, graduada em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), aplicou, em sua tese, a perspectiva de Paulo Freire para compreender a cultura, a educação e a poética do corpo dos povos quilombolas no Brasil. Seu estudo abrangeu o fandango caiçara e o samba de roda, assim como a expressão poética e estética dos corpos e a expressão silenciosa e insurgente das mulheres negras.

Qual o questionamento da sua tese?   
Identificar as aproximações e distanciamentos relacionados à percepção de educação e das danças (o samba de roda e o fandango caiçara) em quilombos de diferentes territórios do Brasil e analisar como isso reverbera na constituição das comunidades.

Deste foco derivaram alguns caminhos de análise da pesquisa, tais como: a construção da identidade quilombola a partir dos saberes narrados e poéticos das duas lideranças, os processos coreográficos e expressões culturais revelados pelas danças, a implicação das mulheres quilombolas nas comunidades e seus discursos de (re)existência e a constituição das danças quilombolas (fandango caiçara e samba de roda) na perspectiva freiriana, considerando suas matrizes e influências de África, América e Europa.

Qual a metodologia utilizada na pesquisa?
A tese foi escrita em formato de artigos. Assim cada capítulo possui um caminho metodológico específico e é completo em si mesmo. Em uma perspectiva ampla, pode-se considerar a utilização da história oral como metodologia, pois buscou-se registrar, por meio de entrevistas, novas versões da história a partir de múltiplas narrativas. Na totalidade da tese, foram realizadas imersões no campo da pesquisa na Bahia e no Paraná.

Por que o interesse em estudar quilombolas?
O interesse surgiu após o início do projeto de extensão em Comunidades Quilombolas da UFBA, denominado Ação Curricular em Comunidade e Sociedade (ACCS), realizado no segundo semestre de 2017. Na época, eu residia em Alagoinhas (BA) e a ACCS aconteceu no Quilombo Cangula, de Alagoinhas, e no Quilombo Buri, do município de Pedrão. O Fórum Social Mundial 2018, realizado em Salvador, foi o momento de finalização desta ACCS, com a composição de uma mesa redonda com os representantes do Quilombos. O término da ACCS ressignificou os caminhos da pesquisa, gerando uma vinculação com as comunidades quilombolas.

Qual o critério para escolher quilombos na Bahia e no Paraná?
O interesse em pesquisar o Quilombo Buri surgiu porque o samba de roda é a prática cultural da comunidade. Ao investigar comunidades quilombolas no Paraná, minha terra natal, encontrei o Quilombo Batuva e me dediquei a pesquisá-lo porque identifiquei registros de que o fandango caiçara era um acontecimento neste território. Assim, as danças, fandango caiçara e samba de roda, foram determinantes na escolha dos quilombos. Outro critério utilizado é que as lideranças quilombolas, Angélica Maria Ferreira de Souza, em Buri, na Bahia, e Ilton Gonçalves da Silva, em Batuva, no Paraná, são professores/educadores.

Estes líderes entendem a escola como o espaço de desconstrução das lógicas colonizadoras e de valorização de saberes produzidos no interior das comunidades. Eles reconhecem que combater o racismo e as desigualdades sociais é tarefa de todos, não exclusiva da escola. Por isso, ensinar para eles, é um ato político, é um modo de (re)existência.   

Por que usou essas danças para compreender o corpo e a cultura dos quilombolas?    
Porque ao observar as mulheres do Quilombo Buri sambando na roda, identifiquei que algumas posturas corporais, gestos e passos se assemelhavam com a gestualidade das mulheres do fandango caiçara. Observei ainda diferenças relacionadas à configuração dessas práticas culturais, justificadas por múltiplas influências, tais como as questões ambientais, sociais e religiosas.

A busca pela perspectiva dialógica perpassou a construção da pesquisa. Viabilizar diálogos reconhecendo e respeitando a multiplicidade de saberes e experiências foi a forma de buscar significados para entender as relações dos quilombolas no interior das comunidades e com o mundo. Nem sempre o diálogo é oralizado. No caso desta pesquisa, o diálogo utilizou outras linguagens, entre elas, a corporal. As danças do samba de roda e fandango são espaços potentes para a produção de discursos.

Você fala que as mulheres negras são silenciadas e invisibilizadas, mas que elas falam pelo silêncio. Como isto acontece?
Em um dos capítulos da tese, o recorte é sobre as mulheres quilombolas e os processos de silenciamentos que atravessam seus corpos. Foi identificado nos quilombos pesquisados que, ao dançar, as mulheres se comunicam, resistem e se reinventam. Os silêncios expressaram uma memória coletiva entrelaçada de mulheres que foram sujeitadas a lógicas de opressão derivadas da tríade patriarcado, capitalismo e racismo. As expressões corporais e seus silêncios apresentaram historicidade e memórias. As sambadeiras na roda, imersas no silêncio da oralidade, comunicam a ancestralidade africana. O silêncio de mulheres do Quilombo Batuva, no Paraná, é um mecanismo de sobrevivência. O discurso do silêncio tem significado, constitui a identidade das mulheres quilombolas e revela suas memórias.

Sua tese tem um padrão próprio, diferente do tradicional?
A tese é composta por capítulos organizados no formato de artigos. A estrutura da tese rompe com o formato tradicional. A escolha deste formato se deu pela possibilidade de disseminação da pesquisa e pelo alcance das publicações decorrentes dela.

Você segue o pensamento de Paulo Freire?
Paulo Freire é uma inspiração para a pesquisa porque para ele não há prática social mais política do que a prática educativa. Na tese, o autor é mediador do diálogo entre quilombolas, ele tece saberes das lideranças do Buri e Batuva e contribui para reconhecê-los no papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo, criando a própria existência com as condições que a vida no quilombo oferece. As ações culturais de quilombolas são atos criativos e, por isso, libertários.

A atuação de Freire na tese é ainda fortalecida ao entender que a transformação social e cultural, implicada pelas danças samba de roda e fandango, só é possível via educação. Assim, sua contribuição teórica possibilita tomar posse da consciência histórica, analisando e rompendo com realidades impostas.

A educação e a cultura são móveis, constantemente ressignificadas e reinventadas. As ações culturais e educacionais nos quilombos são processos relacionais de libertação. No samba de roda, as relações possibilitam transformar-se ao umbigar com outros. No fandango caiçara, entrar junto na roda é relacional e nas relações subjetividades são tecidas e tecem.

Qual a importância da CAPES para as suas pesquisas?
A CAPES foi fundamental na construção da pesquisa na sua configuração inicial, durante o mestrado. Se não houvesse financiamento para a realização dos estudos de campo e produção da dissertação no mestrado, não seria possível acessar o doutorado e desenvolver a tese nesta perspectiva.

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) é um órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC).
(Brasília – Redação CGCOM/CAPES). Foto de capa: Facebook Thais Ferreira. – Clevelândia Online.

Link original da matéria: https://www.gov.br/capes/pt-br/assuntos/noticias/educacao-e-cultura-dos-quilombos-no-brasil

Juliano Meyer

Repórter Fotográfico e Cinematográfico MTB/0012683/PR